MERCADO ESTÁ PRONTO PARA AS MUDANÇAS?

Aurélio Amaral, ex-diretor da ANP, acredita que questão mais urgente é como vai ficar o abastecimento após os desinvestimentos da Petrobras

Se de um lado os consumidores se desesperam a cada aumento no preço dos combustíveis, do outro lado os revendedores e representantes dos Sindicatos ligados ao mercado de combustíveis vivem dias intensos, desde que o presidente Bolsonaro decidiu “legislar” para reduzir o preço dos combustíveis.

Não é de hoje que o mercado discute mudanças na legislação, tanto que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), promoveu em julho um audiência pública apresentando alterações na Resolução nº 41/2013. Dentre os pontos mais importantes, o fim da tutela regulatória da fidelidade à bandeira, abastecimento fora das instalações autorizadas à revenda, cancelamento da autorização de funcionamento por supressão do lacre de interdição e eliminação da terceira casa decimal no preço dos combustíveis.

Enquanto o mercado discutia e aguardava o posicionamento da ANP, o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu a todos com a Medida Provisória (MP) propondo alterações na Lei nº 9.478/1997, a Lei do Petróleo, permitindo que o produtor ou o importador possa, facultativamente, comercializar etanol hidratado diretamente com os postos de combustíveis, e que o transportador-revendedor-retalhista (TRR) possa comercializar etanol hidratado.

De modo geral, as entidades que representam a revenda, alegam que não existe garantia de que as MPs vão assegurar o objetivo final do governo, que é a redução de preços nas bombas, a possibilidade de judicialização em um mercado organizado e os riscos de aumento da sonegação.

Diante de tantos questionamentos, a Revista Petrus, procurou o advogado e ex-diretor da ANP, Aurélio Amaral para saber o que ele pensa sobre o tema.

O mercado estava pronto para tudo isso?

Acho que a consulta saiu em um momento em que deveríamos discutir a questão do desinvestimento da Petrobras no Refino e seus efeitos. Sempre defendi, quando estava na ANP que primeiro a gente deveria focar as questões ligadas aos desinvestimentos da Petrobras em uma sequência lógica, ou seja, vai vender refinaria, como vão ficar esses elementos para então a gente descer para os outros elos da cadeia, na regulação que fosse por onda. O mais importante, o mais relevante agora é discutir como vai ficar a questão de abastecimento com a venda de refinarias para evitar o monopólio regional, para garantir abastecimento, garantir acesso a todos os elos da cadeia. Então, essa seria para mim a discussão principal que teríamos que ter feito. Por exemplo, estamos no meio de uma crise hídrica com reflexos na produção de energia, da mesma forma temos uma carência de infraestrutura, como o regulador e os órgãos formuladores da política vão incentivar a chegada dos investimentos? Essas outras medidas também são importantes, mas elas deveriam se dar em um segundo momento, a hora que você arrumar a regulamentação referente ao refino aos investimentos, suprimentos, você vai descendo os elos da cadeia, porque na ponta da revenda a concorrência se dá na maior dinâmica, você tem 48 mil pontos, 300 TRR, muita concorrência já na revenda, no meu entender não seria objeto de foco no momento.

Como avalia toda essa questão de ter uma audiência pública da ANP e o governo ter atropelado o processo com a MP?

Acho que a MP tira um pouco o protagonismo da ANP, mas não retira o papel da ANP de regulamentar a questão. Olhando como um advogado a regulamentação da tutela ainda é uma média que deve ser realizada pela ANP como a própria medida provisória diz. Então do meu ponto de vista a regulamentação ANP ainda prevalece conforme está lá, a menos que a MP mude a regulamentação, a MP não tirou ainda a responsabilidade da ANP sobre regular a tutela.

A ANP tem estrutura para fazer essa fiscalização?

Sim, a fiscalização já é madura e a ANP sempre teve condições de fiscalizar o mercado, acontecem imperfeições, inconformidades, uma hora ou outra, tem mais pressão sobre a fiscalização, outra hora um pouco menos. Mas, acredito sim no poder da ANP e na capacidade dela fiscalizar todo o sistema, como já faz hoje, ou seja, muda só a figura, mas os agentes serão praticamente os mesmos, o mercado será praticamente o mesmo. 

Inclusive a questão do Gofit?

Acredito que sim, a hora que for regulamentada a fiscalização vai saber como direcionar, para mim esse não é o problema principal, acho que ele atrai mais pressão para a fiscalização, mas acredito que a ela tem capacidade de fiscalizar, eu só acho que essa não é uma medida para ser discutida agora, acho que a gente deveria estar discutindo a abertura do mercado face aos desinvestimentos da Petrobras.

E em termos de futuro? Como você analisa esse mercado?

Acho que a gente tem um mercado grande, relevante, potencialmente um dos maiores mercados de combustíveis do mundo, é um dos setores que movimenta muitos recursos e por isso tem muita pressão. Acho que temos um problema de má distribuição de carga tributária e por isso leva a essas disfunções. Tudo passa por uma reforma tributária, com uma substituição tributária na ponta, com a carga tributária simplificada. Obviamente isso não é possível fazer de uma hora para outra, a reforma tem que ser discutida para que não afete os estados, e os demais entes federativos. Mas para mim, toda confusão nasce na má distribuição dos tributos incidentes sobre os combustíveis. Por ser um setor que gera muita arrecadação para os estados, há uma necessidade de olhar isso de uma forma mais sistêmica e acho que essa é uma solução que não é rápida, mas que tem que ser iniciada sem dúvidas.

E com relação a essa questão da usina vender direto, isso pode trazer alguma diferenciação de competitividade? 

Acredito que sim, que perto das usinas vai ter essa opção, que de certa maneira até já acontece em alguns estados, onde não há necessidade do etanol ir até as distribuidoras, no caso do hidratado. Alguns estados permitem que isso já passe direto, desde que tenha nota fiscal e etc. Acho que aumenta no entorno, mas no geral a logística do Brasil é muito complexa, e requer um papel estratégico das distribuidoras. Então as distribuidoras continuarão tendo seu papel sendo importantes na logística de distribuição do etanol. Em lugares muito próximos talvez sim, mas no geral prevalecerá, a distribuidora que tem capacidade de compra, de dar crédito, enfim de levar o combustível à ponta.

A flexibilização de bandeiras traz algum problema de competitividade, ou mesmo de adulteração?

Acho que deve ter um cuidado com a marca, a bandeira, mas deve se ter mecanismos de resolução de conflitos mais simples. Sempre foi uma reclamação da revenda e da distribuição o tempo que leva uma discussão judicial sobre um contrato, ou seja, há uma necessidade de se buscar elementos de mediação, arbitragem, que passem pelos órgãos de defesa do consumidor, de forma a tornar a resolução de um conflito entre distribuidora e revendedor, mais ágil. Já existe hoje a arbitragem que é acessível, que é possível de ser feita e poderia ser feita rapidamente. Acho que tem que se preservar a marca, pois ela é um elemento importante numa cadeia como essa, mas a gente precisa sair dessa dicotomia, se é tutela ou não tutela, eu acho que deve debater isso com um pouco mais de maturidade e tranquilidade para achar uma saída que permita as distribuidoras continuarem com os investimentos, sem serem penalizadas por alguém que rompe o contrato, ao mesmo tempo a revenda precisa ter liberdade para negociar seus contratos e escolher o melhor fornecedor do seu combustível. Acho que é um mecanismo que deve ser ainda debatido e amadurecido.

E a questão do TRR poder vender álcool isso também gera uma competitividade diferenciada?

Acho que mexe sim, se isso chegar a ser efetivado, mas para mim esse não é um elemento de discussão agora, deveríamos discutir primeiro a abertura do mercado frente aos desinvestimentos já falados, porque já existe muita competição na revenda. Se for dada a oportunidade de atuar na revenda aos TRRs, creio que se deve dar isonomia também para a revenda fazer o mesmo. Para mim, atacar o elo da revenda agora para desenvolver competição não é, vamos dizer assim, a questão mais urgente. A questão mais urgente são os desinvestimentos da Petrobras no refino e como vai ficar a questão do abastecimento nesse momento, esse é um foco mais importante no meu ponto de vista face aos desafios que virão desse novo modelo.

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